Fico tentando entender, mas entender não é importante. Tento explicar, mas já nascemos sem explicação. Do que vale o esforço? Você me vem com esses olhos tão compreensivos, com vários “eu sei”. E você sabe. No fundo, você sempre soube. Me repito no anseio de dizer algo novo, capaz de traduzir. Espero, porque talvez esperando eu consiga.
Não adianta.
Você limpa os meus óculos sujos para eu enxergar melhor. Pacientemente, você me diz para não esquecer o casaco, a carteira, o livro, o telefone, as chaves, a vida. Você me cobre as orelhas e aquece os meus pés. Você me passa a manteiga, me serve de café, me oferece bons dias. Você me avisa com bom humor que o meu dente está sujo e eu rio mostrando a todos o pedaço de alface. Nunca gostei tanto de alface, de gergelim e de feijão. Você não me dá tempo de encontrar essas palavras, de inventar um novo sentido para elas. Em vez disso, você me beija e rouba toda a poesia na ponta da minha língua.
O ar ainda me falta quando, em doces sustos diários, percebo que já é nova manhã e há mais que um travesseiro amassado do meu lado. Ao meu lado, tem você e sua respiração compassada. Tem um travesseiro amassado por você ao lado do que marco com o peso da minha cabeça. E eu tento entender. Desde quando a falta de alguém me fez menos? Penso em dias sem você e já me subtraio. Lembro dos dias sem você e constato: dá pra ser, mas eu não quero. Quase vida não é vida. E de quase amor, os bares estão cheios.
Nos exercícios diários de inventar porquês, algumas respostas se anteciparam às perguntas. Descobri meio sem querer que o amor não pede licença, chega atropelando. Que ele é mal educado e vem sem avisar. E fica. Mais do que ficar, se multiplica, ocupa os espaços vazios e pede por mais. Descobri que não existe amor sob medida. Não existe amor moderado. Não existe amor que aceita só o que se tem pra dar. É amando que se aprende a amar mais.
Por ser sem educação, amor não agradece. Mas por si só, é todo gratidão.
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