"Pensei o quanto desconfortável é ser trancado do lado de fora;
e pensei o quanto é pior, talvez, ser trancado no lado de dentro."
(Virgínia Woolf)
Eu tento preencher minha vida com palavras e músicas. Eu tento caminhar com as próprias pernas para não me perder em caminhos que não conheço. Eu tento engolir as lágrimas para não fazer do que já foi construído uma cidade submersa. Tudo flui com normalidade: às vezes dói, às vezes cansa, às vezes falha, depois acontece de voltar a acreditar e arrancar disposição da latência que rompe a bolha de uma existência morna. É assim mesmo. Vai tudo bem até que a normalidade não resiste e te pede para olhar para trás. Porque só o passado é capaz de devolver sentimentos e sensações que colocam a mente e o coração a perigo. Eu tento sorrir com ar de compaixão para não ferir os já feridos. Nem sempre consigo. Eu tento agradecer diariamente ao que me é dado, mas confundo orações com autoconselho: "tente não se lembrar do que foi ruim" – e só assim me levanto da cama todas as manhãs. Mas lembrança é carro sem freio descendo a ladeira na banguela. Quando vê, já foi. A gente só percebe quando bate no muro. Eu tento me segurar enquanto desço a ladeira e miro um par de olhos que nada dizem, e quase não piscam.
Depois da colisão com o muro, me pergunto se estão todos do lado de fora pensando sobre como sou e o que fiz para acabar desse jeito. Eu nem mesmo encaro as janelas e sequer me movo. Fecho os olhos, engulo a saliva, inspiro com dificuldade e me ponho a esperar por socorro. Enquanto isso, me explico para uma multidão que não enxergo e nem sei se existe. Não interessa a vocês, mas antes que me julguem: olhem, nem sempre fui assim, inconsequente. Sabem, eu pensei em todos os detalhes que não deram certo e aqueles do futuro que não sei se virá. Querem saber mais? Eu já tentei tudo o que não tive e já fui tudo o que não quis. Tanto que tentei sentir que sou o que não sou para satisfazer aos que me satisfaziam apenas por terem par de olhos que me pediam confiança e piscavam alguma ingenuidade. Tanto que eu tentei ser quem as pessoas não podem esquecer e nem deixar para trás. Eu tentei, e acho que para isso nem precisei de esforço, amar infinitamente, ser recíproca, conservar amenidades e sentimentos bonitos. Apostei em tentativas frustradas, prometi fazer só o que tenho vontade e falar apenas sobre o que eu sei. Mas eu não sei de nada. Mesmo assim, tentei limpar vestígios e ser amistosa com o passado. Eu tentei acreditar e mostrar o quanto eu posso qualquer coisa que eu quiser. Oh não, oh sim. Eu pensei no diferente, no acabado, no que faria para mudar o que é ruim, no que deixei de falar e no que gostaria ou deveria ter feito para evitar tudo isso. Eu sei que vocês não sabem, mas, do meu jeito, tentei buscar uma resposta para justificar os grandes erros da humanidade e gostaria mesmo, de verdade, que fosse encontrada a cura para o câncer. Mas agora, tudo o que consigo é discursar em silêncio para uma multidão que não existe, presa dentro de um carro vazio que, desgovernado, me obrigou a encarar o muro.
Abro os olhos para ver se ainda há luz para além dos vidros trincados. Há. Fecho de novo os olhos, mais uma vez engulo saliva, suspiro com dificuldade e volto a pensar que, de todas as tentativas, a melhor de acreditar é a possibilidade de socorro.
Quanta dor desnecessária tem em Brasília. Já chega! :/
ResponderExcluirSe fosse só em Brasília, dava pra mudar de cidade e largar a dor aqui. Pena que a gente carrega ela pra onde quer que vá, né? :/
ResponderExcluirdrummond escreveu: abre os vidros de loção e abafa o insuportável mau cheiro da memória. acho q eh por ai... dê pra sua memória o seu cheirinho de flor. ^^'
ResponderExcluirPois é, Bebela. Pena que de tudo fica um pouco, né? E você, que é toda flor, é quem traz pra mim esse cheirinho que abafa o da memória. :}
ResponderExcluirem qualquer cruzamento, acostamento, encruzilhada.
ResponderExcluirPor favor, uma emoção pequena, qualquer coisa. Qualquer coisa que se sinta...
ResponderExcluir"Eu tento preencher minha vida com palavras e músicas" pra ver se assim me encontro, quem sabe assim me desconstruo nessa loucura de viver em desencontros.
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