Amor matuto

Sabe, Zé, eu fui é ficando com medo de rezar, ocê consegue imaginar? Eu fui é ficando com medo de encostar os dois joelhos no chão frio do quarto e colocar as duas mãos juntinhas uma na outra, entrelaçadas, e pedir, bem do fundo do coração todo quente e os olhos bem apertados de tanto querer, pra que fosse amor e acabar sem ser. Zé, eu tive medo de num ser amor e não sendo mesmo amor que ela num viesse nunca mais ver o sol se pôr pelas bandas de cá. E eu nunca mais pudesse ver o sol nos óio dela. É triste, né Zé? É triste a gente se acovardar de pedir pelo amor. Porque era amor, Zé. Sempre foi. Daquele tipo de amor que já é mesmo antes da gente saber. Num tinha nem do que duvidar. Mas a gente teima de duvidar, né Zé? A gente teima de achar que a beleza das coisas é de mentirinha ou menor do que a grandeza de beleza que elas têm de verdade. A gente duvida pra depois, se alguma coisa num dá certo, a gente poder dizer que teve um pézinho lá atrás, que teve uma previsão do futuro avisando tudo e que a gente mesmo é que num quis ver. Só que a gente num vê é nada disso não, Zé, a gente só vê os óim dela no pôr-do-sol, o jeitinho dela de fazer as coisas, de viver miudinho, de alegrar a gente. A gente só vê o peito da gente se enchendo de carinho quando ela passa na frente da gente e sorri antes de desejar bom dia. Agora eu num sei, Zé, agora eu num sei se ela vem mais. Ocê me ensina a rezar? Queria falar isso pra Deus, pra Ele trazer ela pra cá. Será que Ele traz?

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