Eu não teria evitado, mas teria avisado sobre os riscos. Você, certamente, teria me ignorado e corrido para o erro como quem parte para o abraço. Tudo bem, eu não diria "te avisei", mesmo se tivesse insistido mais de mil vezes para você se cuidar e se preservar. Você nunca se cuida, vive gripada e com dores nas costas. Você só se preserva da rotina. Confesso: além do zelo e do medo por mim e por você, sinto um pouco de inveja desse seu desprendimento, do seu medo ser o de sentir medo, desse seu jeito de brincar de adulta mesmo sendo tão menina levada. Você me dá tanto trabalho! Sei que pareço um pouco pai querendo te proteger do mundo, talvez porque na minha vida tenha faltado quem me dissesse pra não ir pela direita, pra não falar com estranhos e pra não temer o escuro. Eu dormia com o lobo mau porque ninguém me ensinou como espantá-lo.
Mas agora estou aqui, tentando te dizer que o caminho é reto e claro. Estou, agora, gritando sem nenhuma palavra, enquanto te abraço e te enxugo da chuva, para não se preocupar com o lobo mau e a solidão. Eu caminho do seu lado e passo na sua frente quando for preciso. Eu não te acho frágil, mas sei que você não é tão forte a ponto de suportar as dores do mundo. Eu também não. Mas esse caminho eu conheço bem. Deixe-me ir à frente, te apontando as pedras que surgirem na estrada.
Olha, eu fiquei triste com o descuido e um pouco bravo, talvez – ainda não consigo definir se estou bravo ou enciumado por você não me consultar antes de pular de um arranha-céu e escolher enfrentar a tempestade sem, pelo menos, me pedir um casaco –, mas não o suficiente para não te secar da chuva e te oferecer abrigo. Você não tem que encolher os ombros e nem tremer o olhar. Tem sempre um café quente, um cobertor macio e aquele seu travesseiro velho. Você sabe, a casa é sua.
Façamos como sempre: eu te empresto a minha camisa, você toma um banho morno e chora aninhada no meu colo. Eu escondo as minhas lágrimas e você dorme assim, encaixada nos meus braços, com a respiração forte acompanhada de uns suspiros profundos, que me doem até os menores dos ossos. E então, bem depois do início do seu sono, lá pelas tantas da madrugada, com os braços dormentes, seguro que nem você e nem ninguém me verá, vou chorar baixinho e molhar o seu cabelo de lágrimas até dormir com o rosto encostado no seu e as suas mãos encaixadas nas minhas, com os suspiros no mesmo ritmo. Porque, poxa, eu te avisei tanto, eu te pedi tanto pra que não saísse assim descalça, pra que não andasse assim na chuva, pra que não entregasse assim o coração!
Mas amigo é casa. Entre sem bater e fique o quanto quiser.
Mas amigo é casa. Entre sem bater e fique o quanto quiser.
sempre é convidativo passar por aqui.
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