Para Jaqueline
O problema já não é aceitar que vai passar. O problema agora é aceitar que, passando, leve consigo tanta coisa importante. Falo coisa, mas quero dizer pedaço. Falo pedaço, mas quero dizer pele. E alma. Tudo isso passa e a gente fica. Somos cada vez menos nossos, cada vez menos inteiros e cada vez mais dispersos. Somos parte de um todo que já não se reconhece. Aportamos em mundos de onde não soubemos mais voltar – ou, se voltamos, deixamos lá qualquer coisa que não é coisa e também não é só pele e é muito maior que a alma. Recontamos essas histórias na tentativa de reviver e relembrar o que é ser inteiro e, mais que isso, na tentativa de entender porque ficamos, quando todo mundo e o mundo inteiro parecem ir, quando essas mesmas histórias que contamos viram fotos desbotadas escondidas em baús de outras memórias, que vez ou outra se lembram, que vez ou outra notam que essas fotos e lembranças estão cada vez menos nítidas. E é aí onde, se apertar, eu grito. Porque ficando, mesmo que na incompletude, se tem o todo na memória. O que dói não é não ser inteira. O que dói é a lembrança de já ter sido e não ser mais. E repito, dizendo agora de outro jeito: o ruim do momento que passa é o que ele leva da gente, mesmo somando tudo aquilo que ele traz. Um pouco da gente vai ficando. Sim, um pouco sempre fica: do gesto, do cheiro, dos pelos. Fica a marca dos dedos na pele, a cor dos olhos. Vou embora com as suas pernas, você fica com os meus olhos. Nem nos damos conta.
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