Querido Nico,

Hoje foi dia de prosa entre mim e meus botões, enquanto regava as plantas do jardim. Eu pensava e ia ficando feliz de um tanto, que era difícil conter o riso frouxo. Eu pensava mais ou menos assim: meu Deus, como o senhor é bom! nos dar olhos capazes de enxergar tantas miudezas. Cecília, triste pelo rumo que a vida da gente teima em tomar vez em quando, me pedia para contar o que me arrancava sorrisos. Mas não havia piada, eu tentava dizer. Ela, sem me entender, franzia o cenho. Cecília, eu dizia, eu sorrio pela magia embutida nos encontros, pelo doce destino que lançamos ao acaso, sorrio por conseguir enxergar o avesso da dor e ter flores para regar. 

E enquanto eu pensava naquilo que te disse ali em cima, pensava também que eu escrevo é para pessoas como você, que ainda fazem caber no pouco de tempo que a vida não nos furtou bobagens como as cartas que te escrevo e que tão carinhosamente me respondes. Sabe, Nico, não me interessam os corações sem suspiros, os olhos de alma pequena, os mergulhos em águas rasas, as superfícies de tudo. É preciso ter olhos grandes para o pequeno e as mãos quentes de aquecer as frias e os pés frios para serem aquecidos por pés quentes. Faz frio quando não te escrevo: é disso que eu falo, e falando assim acho você me entende. Os meus braços congelam à falta de carinho quando você não vem – em palavras, em abraços com direito a beijinhos no ombro. Eu não sei quantos Nicos existem, mas penso que são poucos. Um pouco cada vez mais raro. Agarro a essa raridade como quem segura uma bóia salva-vidas para não afogar no mar de mesmices.


Nico, você é remédio anti-monotonia, é ressonância para a minha voz e eu tenho vontade de dizer isso a todo mundo: olha, agarrem os seus Nicos, eles são tão raros! Mas aí eu volto a pensar que, como você, só você mesmo e mais ninguém. E aí me sinto ainda mais feliz, porque, poxa, eu posso te escrever, te telefonar, que do meu alô vem o seu alô e das minhas palavras surgem as suas e vice versa. É tão bonito isso de você falar e ter quem te escute e te responda e te conte, te pergunte, te participe. 

Era por isso que eu ria quando Cecília, com um ar truncado, me pedia um sorriso fácil como o que eu conservava nos lábios. Cecília é do tipo de pessoa que, às vezes, me deixa sem saber o que fazer e como agir: tão cética, tão adulta, revirando livros atrás de citações que a revelem a vastidão do mundo, que de tão imenso traz possibilidades de alegria. E eu me pergunto como é possível alguém não enxergar a grandeza do pequeno, que multiplicado é do tamanho do mundo. Como é que acontece de a gente se cegar às alegrias? Sabe, Nico, me preocupa isso de as pessoas procurarem fora o que só se encontra bem lá dentro. Isso de se deixar levar pelo óbvio das coisas e não ir além das retinas. Um pouco eu entendo, mas é do muito que te falo e é por ele que te escrevo, talvez a procura de qualquer resposta. Cecília, por exemplo, há muito não passeia pelo lado de lá, onde fincamos alma. Estendo os braços, mas ela não vem. Sabemos que não adianta puxar: apenas de um salto não se faz um voo. E não há voos com os pés no chão. Por isso, agora, antes do ponto final, abro caminho no branco da folha, onde estico os braços à espera dos seus

















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3 comentários:

  1. tda vez q vc escreve ao nico eu sinto vontade de te escrever.

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  2. Caio, não tem graça roubar o comentário dos outros...

    "...Pois quando eu penso em você é quando não me sinto só. Com minhas letras e canções, com o perfume das manhãs, com a chuva dos verões, com o desenho das maçãs... Com você me sinto bem!"

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  3. Eu nem sei escrever cartas, mas vc bem q podia escrever uma pra mim neh? bem dessas aih q vc escreve pro Nico... xD

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