Estranho perceber que houve um tempo em que eu sabia
descrever tão bem as minhas dores e sentir saudades disso. Pois que descrevendo
eu desenrolava o balaio e espantava os demônios logo na porta do quarto.
Descrever as dores era para mim garantia de sono tranquilo, de lágrimas
corridas e olhos secos na manhã seguinte. Descrever as dores era ir re-doendo
em uma desorganização espantosa para depois observar aquela bagunça achar o seu
lugar, quase sem participação minha. Era conseguir olhar para a alma e ver espaços
vazios, onde caberiam novos acontecimentos e, por quê não, encantamentos. Era
ter uma tristeza fluida, líquida e orgânica, que se esvaía sem que fosse
necessário mandá-la embora a gritos e rispidez. Ou era o grito catártico que
desentupia as artérias e me deixava livre para entupir de novo sem chegar ao infarto. Hoje, eu só não sei
descrever como me sinto perdendo a pulsação ante o enredar da vida. Tudo meio
turvo e muito denso: fica. Fica por não ter quem doutrine a dor e a ensine por
qual porta ela deve sair. Fica porque quando sai vai levando a chave da frente.
Como num labirinto, está tudo comigo, como um apego que eu nunca tive e que
agora me cobre, me nina e me acorda com a mesa posta de café. Como se eu fosse
visitante na minha própria casa, quem me faz sala é a solidão. Solidão com
amplitude de multidão em show de rock. Ao perceber que é ela quem se apodera
dos meus cômodos e me recebe com chá no fim de tarde é que noto o quanto é
estranha a sensação de se habituar com o caos e aprender a conviver com o pó
sob as emoções.
Vc não descreve dores como ngm...
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