Boa viagem

Eu sinto falta, sim. Sinto falta de todos os que se foram. Principalmente de quem não me despedi. Sim, eu sinto. Eu sinto falta de colher frutas verdes e maduras. Sinto falta do cheiro de roupa que acaba de ser pendurada no varal. Sinto falta de jogar pedras no rio. Eu sinto falta de Joaquim, de Alice, de Marias e de Joãos. De flores... Como sinto falta das flores! O perfume, a delicadeza. Deus dividido em pétalas. Sinto falta de mim. De você. De um nós, com ésse de plural. Sinto falta de conjugar verbos. Quero voltar a conjugar verbos. Quero palavras que rompam a bolha. Quero palavras capazes de me romper ao romperem o silêncio. Quero ser reduzida em cacos de poesia. Quero ser pó de magia que se espalha como pólen.

Dispenso delicadezas que não vêm das flores. Sutilezas por compostura agravam as mazelas da memória. E não se cura solidão com aspirina. Não seja delicado somente, não seja cordial somente, não use de bons modos se não é capaz entender por que usá-los. Seja sincero. Para ser lembrado é preciso ser visto. Para não ser esquecido é preciso estar em dia com a verdade. Laços invisíveis são mais inquebrantáveis. Você é o confessionário do  seu próprio pecado. As pessoas mais cruéis que conheço são também as mais polidas: rosto-de-madeira, dentes brancos, regras de etiqueta, punhal escondido no sapato.

Mas não use de arrogância para maquiar a sua dor. Não trate o amor como lepra. Não se perde os membros ao se despedir com um abraço. Não se fica mudo ao pronunciar adeus. Não faça da mudez o apêndice das palavras. Não engula as palavras sem antes mastigá-las.

Me calo. Abro espaço para as suas palavras poderem passar.