Janelas abertas, convite ao vento

O som envolve a letra como cobertor. A música não fala comigo, não fala para mim. A música não fala. A música canta. Ela toca. Ela embala sem abalar. Veja: as paredes continuam suspensas e a cidade submersa. Ou melhor, não. Não veja. Feche os olhos. Abra os ouvidos. Deixe-se ir. Sinta. Ela fala ao vento, coisas sem importância, dessas que a gente fala ao cobrador do ônibus, dessas que o cobrador do ônibus ouve centenas de vezes ao dia, de pessoas que não irá se lembrar ao deitar-se com sua mulher. Esse eu te amo aí que ela diz, e que na próxima estrofe dirá de novo, bem antes do "uh, uh, uh", é dedicado ao vento, que insistentemente a chamou para dançar, envolvendo-lhe as costas expostas, invadindo-lhe o quarto de escrever, percorrendo por seus dedos nervosos, que ritmavam datilografia. Esse eu te amo é dedicado ao vento, que tirou o seu amor para dançar e nunca mais o deixou sem rodopios. Ah, arrepios!... Ela escreveu e ritmou a música ao vento, que sempre a acompanhou. Mesmo nos caminhos em que dispensou os sapatos, mesmo nos caminhos em que haviam cinzas para serem pisadas descalças. Ela agradece ao vento a companhia, diz a ele que sem ele a vida seria solidão. Uma voz tão rouca ela tem. Eu me apaixonaria por ela só pela voz, eu a beijaria na nota mais aguda. Eu queria ter sido o vento que a tirou para dançar, o vento que é dono de seu amor. Agora vem a parte mais bonita: o refrão, no qual ela diz que deixará as portas abertas – de certo para o vento entrar com maior facilidade, de um jeito não clandestino. Permita-se à tensão nos quadris, ceda a ela. A tensão sob os quadris é o convite à dança. Permita-se. Renda-se. Dance e tire a vassoura para dançar. Ou o rodo... o tecido da cortina. Arranje um par. Seja o seu par. Se os dedos estalam é para ajudar a compor o som que a moça que escreve ao vento se esqueceu de pôr, achando que o barulho da datilografia sairia no disco, pensando que ele, o barulho, seria embutido junto às letras sob o papel. Não deixe a música incompleta, estale os dedos, bata os pés no chão. A moça pede, o vento empurra. Mas não se pergunte nada, não queira nada, não queira ninguém. Queira a dança. Ouse nos movimentos, permita-se o carinho dos acordes, como dedos que acariciam quentes. Aprecie o mundo se encaixar, sem que haja sobras e lacunas por completar. Temporariamente, aceite assim, não questione. Queira-se, atire-se em seus braços, jogue-se em seu colo, solte-se no ar, puxe-se de volta, sinta o seu respirar em dissonância. Dance. É só o que ela quer que você faça, a moça que escreve ao vento, a moça que não dança. Enquanto a música passa, você dança. Enquanto ela passa, dança. Dança, que ela passa. E a próxima faixa do disco é ainda um mistério.  

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