Confissão

II


O que aconteceu foi que, uma vez dentro, eu não soube o que fazer e nem como sair. Parece tão lógico como errar o caminho, voltar até o ponto conhecido e refazer o trajeto, dessa vez sem errar o atalho. Mas quando se trata de você nada é lógico, e de mim, nada é como fora feito para ser. Qualquer coisa fora, me congelaria e de tão branca, eu ficaria qual Pé Grande a vagar pelo ártico. O Pé Grande sem pêlos e com os pés pequenos. Eu quis me deixar descer até o seu coração – "que é quem manda", disse a mim os seus olhos, quase transparentes de tão sinceros, arregalados e redondos como os botões do meu casaco. Eu já estava dentro dos seus olhos. Eu estava dentro de você. Era apenas uma questão de mais alguns passos e, pronto, deslizar macia à rampa que intercepta o alto dos seus olhos ao meio do seu coração. Mas eu, eu tive medo. Não foi por dificuldades no trajeto, eu não cogitaria uma desculpa assim tão esfarrapada. Desculpas esfarrapadas servem a quem se quer visto e descoberto. O caminho não era trevoso, nas flores fincadas na terra que o rodeava, de onde saíam também gramas verdinhas, não se avistava espinhos; o céu azul só dividia espaço com nuvens brancas, que davam formas diversas à imaginação, fazendo-a criança que ganha prêmio por boa ação. Talvez pareça, mas tolice não é. É um daqueles medos que a gente tem nos primeiros dias do colégio, o de ter sido esquecido no pátio quando todos os relógios revelavam que há dez minutos o sinal para o término das aulas havia feito alarde. Vai explicar a uma criança que dez minutos não é uma eternidade! Era medo, medo de ter sido esquecida, de que você pudesse ter tido compromisso mais importante do que o de me buscar na escola, e por isso resolveu me deixar lá: mochila nas costas, lancheira numa das mãos e na outra o choro abafado entre os dedos. O medo plácido, o medo mantendo a postura – sabendo que esta só se sustentaria assim pelos próximos cinco minutos –, esperando sentada no banquinho do pátio. Esperando companhia melhor que o esquecimento.

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