Um curto monólogo tímido para a timidez

E agora? Agora a gente tenta e falha. Parecia tão fácil. Treinamos tanto os nossos discursos, encenamos tantos debates e tão acalorados. Quando finalmente temos público, a voz falha, a barriga dói, a ansiedade corta as palavras ao meio, as mãos se recolhem, frias e trêmulas, aos bolsos da calça. E por que? Os nossos discursos de agradecimento pelo reconhecimento feitos embaixo do chuveiro são tão prolixos, comoventes, certeiros e desenrolados. O nosso senso crítico é afiado, pontiagudo. O nosso senso crítico é justo. Nós temos ideias premiáveis, somos seres humanos tão humanamente apreciáveis, apesar das incontáveis falhas. Olha pra mim, eu estou falando com você e é sobre a gente. Não faz assim, não se afasta, não revira os olhos: desembaça esse espelho, olha pra você e pra mim. Nos preocupamos com o futuro do mundo. Nos importamos com as dores do próximo. Ligamos para perguntar se está tudo bem. Ligamos só para isso. Queremos saber se aquele problema foi solucionado, se a compressa fez efeito, se o passado finalmente passou. Queremos ajudar. Somos boas, temos a alma quase leve, temos a vida no sonho e muito carinho no coração. Gostamos de frutas colhidas do pé, gostamos de lua cheia, de tardes ensolaradas e de chá de maçã. Somos mansas escondidas em camadas de cobertor em tempo frio. Somos mansas estendidas em uma rede numa tarde de domingo. Falamos tão bem para a multidão que criamos, mas ficamos mudas olhando para as pessoas de carne e osso. O mundo nos assusta. As pessoas diferentes de nós possuem um ar meio vilão. Vivemos tão intensamente para dentro, que o de fora nos atinge como se retirassem o teto da nossa casinha de tijolos marrons. Somos tão ingênuas: conservamos o segredo nosso. Eu cochicho no seu ouvido, você cantarola no meu, que é pra ninguém ouvir.

O mundo não é sutil. Nós somos.

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